Referências ao autor - 2ª referência

Freud, Sigmund (1996p). Conferências introdutórias sobre psicanálise (parte III). In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud vol. XVI. Rio de Janeiro: Imago. (Obra original publicada em 1917).

A citação encontra-se em “Conferências introdutórias sobre psicanálise” (1917 [1916-17]), na Conferência XXI: o desenvolvimento da libido e as organizações sexuais, páginas 334-335. Nesta longa passagem, Freud discorre acerca da fundamentação do complexo de Édipo, recorrendo à conhecida obra sofocliana, Édipo rei, para sustentar seu conceito:

E, agora, os senhores estarão ávidos por ouvir o que esse terrível complexo de Édipo contém. Seu nome o diz. Todos os senhores conhecem a lenda grega do rei Édipo, fadado pelo destino a matar seu pai e a desposar sua mãe, que fez todo o possível para escapar à decisão do oráculo e puniu-se a si próprio cegando-se, ao saber que, apesar de tudo, havia, sem querer, cometido ambos os crimes. Suponho que muito dos senhores devem ter sentido o efeito avassalador da tragédia em que Sófocles abordou essa história. A obra do dramaturgo ateniense mostra a maneira como o feito de Édipo, realizado num passado já remoto, é gradualmente trazido à luz por uma investigação engenhosamente prolongada e restituído à vida por meio de sempre novas séries de provas. Nesse aspecto, tem certa semelhança com o progresso de uma psicanálise. No decorrer do diálogo, Jocasta, a iludida mãe e esposa, declara-se contrária à continuação da investigação. Apela para o fato de que muitas pessoas sonharam com dormir com a própria mãe, mas que os sonhos devem ser menosprezados. Não menosprezamos os sonhos — muito menos os sonhos típicos que muitas pessoas sonham; e não duvidamos que o sonho a que Jocasta se referia tem íntima conexão com o estranho e terrível conteúdo da lenda.

Uma coisa surpreendente é que a tragédia de Sófocles não suscita um repúdio indignado na plateia — uma reação semelhante à do nosso sincero médico militar, contudo muito mais justificada. Basicamente, trata-se, pois, de uma obra amoral: absolve os homens de responsabilidade moral, mostra os deuses como promotores do crime e demonstra a importância dos impulsos morais dos homens que lutam contra o crime. Facilmente poder-se-ia supor que o conteúdo da lenda tivesse em vista incriminar os deuses e o destino; e, nas mãos de Eurípides, crítico e inimigo dos deuses, provavelmente ter-se-ia tornado uma incriminação. Com o devoto Sófocles, todavia, não há lugar para uma aplicação dessa espécie. A dificuldade então é superada através do piedoso sofisma segundo o qual submeter-se à vontade dos deuses constitui a mais elevada moralidade, mesmo quando isto conduza ao crime. Não consigo pensar que essa moralidade seja um ponto forte na peça; aliás, não tem nenhuma influência em seu efeito. Não é a ela que o espectador reage, mas ao sentido e ao conteúdo secreto da lenda. Reage como se, por auto-análise, tivesse reconhecido o complexo de Édipo em si próprio e desvendado a vontade dos deuses e do oráculo como disfarces enaltecidos de seu próprio inconsciente. É como se fosse obrigado a recordar os dois desejos — eliminar o pai e, em lugar deste, desposar a mãe — e horrorizar-se com esses mesmos desejos. E o espectador compreende as palavras do dramaturgo, como se elas fossem dirigidas a ele: ‘Tu estás lutando em vão contra a tua responsabilidade, e estás declarando em vão o que fizeste em oposição a essas intenções criminosas. És culpado por não teres conseguido destruí-las; elas ainda persistem em ti, inconscientemente.’ E existe verdade psicológica encerrada nessa frase. Conquanto um homem tenha reprimido seus maus impulsos para dentro do inconsciente e prefira dizer a si mesmo, posteriormente, que não é responsável por eles, ele, não obstante, tem de reconhecer essa responsabilidade na forma de um sentimento de culpa cuja origem lhe é desconhecida (Freud, 1996p, p. 334-5).

Sófocles

06/11/2025 00:00