Freud, Sigmund (1996rr). Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud vol. X. Rio de Janeiro: Imago. (Obra original publicada em 1910).
A citação encontra-se em “Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância” (1910), em uma nota de rodapé adicionada por Freud no ano de 1919, páginas 93-94. Neste trecho, Freud faz uma aproximação entre a análise feita do mestre florentino e o escritor alemão, na qual conclui que ambos têm sua lembrança mais primordial com suas mães.
Depois que escrevi as palavras acima, tentei usar igualmente uma lembrança ininteligível da meninice de outro homem de gênio. Na história de sua vida que Goethe escreveu aos sessenta anos (‘Dichtung und Wahrheit’), há uma descrição nas primeiras páginas de como, incentivado pelos vizinhos, ele jogou à rua, pela janela, pequenos objetos de louça e depois outros maiores, quebrando-os em pedacinhos. A referida cena é, na verdade, a única que ele conta de sua primeira infância. A insignificância desse fato, a sua semelhança com outros tantos ocorridos na infância de tantas pessoas que não se tornaram grandes personagens e a ausência, nesse trecho, de qualquer referência a um irmãozinho que nasceu quando Goethe tinha três anos e nove meses e que morreu com perto de dez anos - tudo isso levou-me a intentar uma análise dessa recordação de infância. (Essa criança é mencionada mais adiante no mesmo livro quando Goethe discorre sobre as muitas doenças da infância.) Eu esperava poder substituí-lo por qualquer outro fato mais adequado ao relato, feito por Goethe, de sua vida e cujo texto merecesse mais ser conservado e ocupar um lugar na história de sua vida. A curta análise [‘Uma recordação de Infância em Dichtung und Wahrheit’ (1917b)] tornou possível reconhecer o ato de atirar fora a louça como sendo um ato mágico contra um intruso indesejável; e no trecho do livro em que ele descreve o episódio, a intenção seria e de um triunfo sobre o fato de que um segundo irmão viesse, com o correr do tempo, perturbar a relação íntima de Goethe com sua mãe. Se as recordações mais longínquas da infância, assim disfarçadas - tanto no caso de Leonardo como no de Goethe - giram em torno da mãe, o que haveria de tão estranho nisso? (Freud, 1996rr, p. 93-4).
Goethe, Dichtung und Wahrheit, Poesia e verdade
10/11/2025 00:00