Júlio César - 3ª referência

Freud, Sigmund (1996c). A interpretação dos sonhos. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud vol. V. Rio de Janeiro: Imago. (Obra original publicada em 1900).

A citação encontra-se em “A interpretação dos sonhos” (1900) no capítulo VI, intitulado “O trabalho do sonho”, seção (H) - “Os afetos nos sonhos”, subseção V. Ao relatar um sonho, Freud recorda-se de um episódio de sua infância em que se engajara numa desavença com um amigo. A partir disto, refere-se à trama de Júlio César, que é traído por pessoas de sua confiança.

Minha ligeira raiva, no presente, pela advertência que eu recebera de não deixar escapar nada [sobre a doença de Fl.] recebeu reforços de fontes situadas nas profundezas de minha mente, e assim se avolumou numa corrente de sentimentos hostis contra pessoas de quem eu realmente gostava. A fonte desse reforço brotava de minha infância. Já assinalei [em [1]] como minhas amizades calorosas, e também minhas inimizades com contemporâneos, remontam a minhas relações da infância com um sobrinho que era um ano mais velho que eu; como ele era superior a mim, como cedo aprendi a me defender dele, como éramos amigos inseparáveis e como, de acordo com o testemunho dos mais velhos, às vezes brigávamos um com outro e… lhes fazíamos queixas um do outro. Todos os meus amigos têm sido, num certo sentido, reencarnações dessa primeira figura que “früh sich einst dem trüben Blick gezeigt”: têm sido revenants. Meu próprio sobrinho reapareceu em minha meninice e, nessa ocasião, representamos juntos os papéis de César e Brutus. Minha vida afetiva sempre insistiu em que eu tivesse um amigo íntimo e um inimigo odiado. Sempre me foi possível reabastecer-me de ambos, e não raro essa situação ideal da infância se reproduziu tão completamente que amigo e inimigo convergiram numa só pessoa - embora não, é claro, ambos ao mesmo tempo ou com oscilações constantes, como talvez tenha acontecido em minha tenra infância. [...] Como não deixa de ser natural, alguns anos antes, eu próprio acalentara um desejo ainda mais vivo de preencher uma vaga. Onde quer que haja hierarquia e promoção, está aberto o caminho para desejos que pedem supressão. O Príncipe Hal, de Shakespeare, mesmo junto ao leito de seu pai enfermo, não pôde resistir à tentação de experimentar a coroa. Mas, como seria de se esperar, o sonho puniu meu amigo e não a mim por esse desejo impiedoso. “Como foi ambicioso, matei-o.” [1] Como não pudesse esperar pelo afastamento de outro homem, ele próprio foi afastado. Foram esses meus pensamentos logo depois de ter assistido à inauguração, na universidade, do monumento comemorativo - não a ele, mas ao outro homem. Assim, parte da satisfação que senti no sonho deveria ser interpretada como: “Um castigo justo! É bem feito para você!” (Freud, 1996c, p. 515-516).

Nota de rodapé 1: Palavras de Brutus em Julius Caesar, de Shakespeare, Ato III, cena 2” (Freud, 1996c, p. 515-516).

Shakespeare, Júlio César

08/11/2025 00:00