Júlio César - 2ª referência

Freud, Sigmund (1996c). A interpretação dos sonhos. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud vol. V. Rio de Janeiro: Imago. (Obra original publicada em 1900).

A citação encontra-se em “A interpretação dos sonhos” (1900) no capítulo VI, intitulado “O trabalho do sonho, seção (F) - Alguns exemplos - cálculos e ditos nos sonhos”. Trata-se de um sonho e lembrança de infância de Freud, em que compara com a peça e a situação vivida entre os personagens Júlio César e Brutus.

Pelas regras da interpretação dos sonhos, nem assim eu tinha direito a passar do Non vixit derivado de minha recordação do Monumento ao Imperador José ao Non vivit exigido pelo sentido dos pensamentos oníricos. Devia haver algum outro elemento nos pensamentos do sonho que ajudasse a tornar possível a transição. Ocorreu-me então ser digno de nota que, na cena do sonho, havia uma convergência de uma corrente de sentimento hostil e uma afetiva para com meu amigo P., estando a primeira na superfície e a segunda oculta, mas ambas representadas na expressão única Non vixit. Como fosse digno de homenagens pela ciência, erigi-lhe um monumento comemorativo; mas, como era culpado de um desejo malévolo (que se expressou no final do sonho), eu o aniquilei. Notei que esta última frase tinha uma cadência toda especial, e devo ter tido algum modelo em minha mente. Onde se poderia encontrar uma antítese dessa natureza, uma justaposição como essa de duas reações opostas a uma única pessoa, ambas alegando ser completamente justificadas e, ainda assim, não incompatíveis? Somente numa passagem da literatura - mas uma passagem que exerce profunda impressão sobre o leitor: no discurso de autojustificação de Brutus em Júlio César, de Shakespeare [iii, 2]; “Como César me amou, choro por ele; como foi afortunado, regozijo-me com isso; como era bravo, respeito-o; mas, como foi ambicioso, matei-o”. Não eram a estrutura formal dessas frases e seu sentido antitético precisamente os mesmos que no pensamento onírico eu desvendara? Assim, eu estivera desempenhando o papel de Brutus no sonho. Se ao menos pudesse encontrar outra prova, no conteúdo do sonho, para confirmar esse surpreendente traço de união colateral! Ocorreu-me uma prova possível: “Meu amigo Fl. veio a Viena em julho.” Não havia nenhuma base na realidade para esse detalhe do sonho. Que eu soubesse, meu amigo Fl. nunca estivera em Viena em julho. Mas o mês de julho recebeu esse nome a partir de Júlio César e poderia, portanto, representar muito bem a alusão que eu queria à idéia intermediária de eu desempenhar o papel de Brutus.

Por estranho que pareça, realmente desempenhei o papel de Brutus um dia. Certa ocasião, atuei na cena entre Brutus e César, de Schiller, ante uma platéia de crianças. Tinha quatorze anos na época e estava representando com um sobrinho um ano mais velho que eu. Ele viera da Inglaterra visitar-nos; e também ele era um revenant, pois era o companheiro de brincadeiras de meus primeiros anos de vida que nele retornavam (Freud, 1996c, p. 457, grifos do original).

Shakespeare, Júlio César

08/11/2025 00:00