Hamlet - 2ª referência

Freud, Sigmund (1996a). Extrato dos documentos dirigidos a Fliess. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud vol. I. Rio de Janeiro: Imago. (Obra original publicada em 1892 - 1899). 

A citação encontra-se na carta 71, escrita em 15 de outubro de 1897, página 316. Esta carta é um importante momento na dita autoanálise de Freud. Esta carta é um importante momento na dita autoanálise de Freud. Neste momento, ele comunica a Fliess ter encontrado o desejo de desposar a mãe e assassinar o pai em si mesmo. Nesta carta está formulado pela primeira vez os elementos que compõem o complexo de Édipo, o desejo incestuoso e parricida. Cabe destacar o recurso de Freud à literatura. O psicanalista não apenas encontra vestígios deste desejo em si e em seus pacientes neuróticos, como reconhece a sua presença nas obras literárias. Na peça Édipo rei, eles aparecem de modo direto. Já em Hamlet, de William Shakespeare, estes elementos podem ser inferidos pelos efeitos que causam no personagem principal.

Passou-me pela cabeça uma rápida idéia no sentido de saber se a mesma coisa não estaria também no fundo do Hamlet. Não estou pensando na intenção consciente de Shakespeare, mas acredito, antes, que algum evento real tenha instigado o poeta à sua representação, no sentido de que o inconsciente de Shakespeare compreendeu o inconsciente de seu herói. Como é que o histérico Hamlet consegue justificar suas palavras: “Assim a consciência nos torna a todos covardes”? Como é que ele consegue explicar sua hesitação em vingar o pai assassinado através do seu tio - ele, o homem que, sem nenhum escrúpulo, envia à morte seus cortesãos e efetivamente se precipita ao matar Laertes? De que outro modo poderia ele justificar-se melhor do que mediante o tormento de que padece com a obscura lembrança de que ele próprio planejou perpetrar a mesma ação contra seu pai, por causa da paixão pela mãe - “a se tratar cada homem segundo seu merecimento, quem escapará do açoite?” Sua consciência [moral] é seu sentimento inconsciente de culpa. E não será seu afastamento sexual [em [1]], na conversa com Ofélia, tipicamente histérico? e sua rejeição do instinto que visa a procriar filhos? e, por fim, que dizer de ele ter transferido a ação de seu pai para o de Ofélia? E não faz ele descer sobre si, no final, de modo tão evidente como os meus pacientes histéricos, o castigo, sofrendo o mesmo destino do pai, ao ser envenenado pelo mesmo rival? (Freud, 1996a, p. 316).

Shakespeare, Hamlet

08/11/2025 00:00