Masson, Jeffrey Moussaief (1986). Carta de 15 de outubro de 1897. In A correspondência completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess 1887-1904. Rio de Janeiro: Imago.
A citação encontra-se no capítulo intitulado “A teoria transformada”, conforme a divisão feita pelo editor das cartas, páginas 273-274. Nesta citação, Freud problematiza se o mesmo que pode ser encontrado em Édipo rei (o tema do incesto e parricídio) não poderia ser, mutatis mutandis, encontrado também na peça Hamlet. É importante mencionar que a mesma carta se encontra na Edição Standard Brasileiras das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud vol. I.
Cada pessoa da platéia foi, um dia, um Édipo em potencial na fantasia, e cada uma recua, horrorizada, diante da realização de sonho ali transplantada para a realidade, com toda a carga de recalcamento que separa seu estado infantil do estado atual. Passou-me fugazmente pela cabeça a idéia de que a mesma coisa estaria também na base do Hamlet. Não estou pensando na intenção consciente de Shakespeare, mas creio, ao contrário, que um acontecimento real tenha estimulado o poeta a criar sua representação no sentido de que seu inconsciente compreendeu o inconsciente de seu herói. Como é que Hamlet, histérico, justifica suas palavras: "E assim a consciência nos torna a todos covardes”? Como explica sua hesitação em vingar o pai através do assassinato do tio — ele, o mesmo homem que manda seus cortesãos para a morte sem nenhum escrúpulo e que é positivamente precipitado ao assassinar Laertes?³ Como |explicá-lo| senão pela tortura que ele sofre em vista da obscura lembrança de que ele próprio havia contemplado praticar a mesma ação contra o pai, por paixão pela mãe, e — “a se tratar cada homem segundo seu merecimento, quem ‘escapara do açoite’ ”? Sua consciência |moral| é seu sentimento inconsciente de culpa. E não será sua alienação sexual, no diálogo com Ofélia, tipicamente histérica? E sua rejeição do instinto que visa a gerar filhos? E, por fim, sua transferência da ação de seu próprio pai para o pai de Ofélia? E não pune ele a si próprio, no final, do mesmo modo maravilhoso que fazem meus pacientes histéricos, sofrendo destino idêntico ao do pai, ao ser envenenado pelo mesmo rival? (Masson, 1986, p. 273-274).
Há uma nota do editor corrigindo uma afirmação de Freud:
Na verdade, Hamlet mata Polônio, e não Laertes (Masson, 1986, p. 274).
Shakespeare, Hamlet
08/11/2025 00:00