Filoctetes - 1ª referência

Freud, Sigmund (1996uuu). Personagens psicopáticos no palco. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud vol. VII. Rio de Janeiro: Imago. (Obra original publicada em 1942 [1905 ou 1906]).

A citação encontra-se em “Personagens psicopáticos no palco” (1942 [1905 ou 1906]), página 294. Neste artigo, Freud comenta a capacidade do drama de produzir a ‘purgação dos afetos' no espectador, resultando em uma sensação de prazer ou gozo. Para tanto, é preciso que o espectador identifique-se com o herói. Isso permitirá a ele regozijar-se com os feitos heroicos sem pagar o ônus das dores, sofrimentos e tribulações que ocupar verdadeiramente uma posição heroica exigiria. Assim, é preciso que surja o sofrimento no drama apenas ao ponto de gerar uma inquietação no espectador, que depois será aplacada.

Freud ressalta que a natureza do sofrimento enfrentado pelo herói da trama deve restringir-se ao anímico, pois o sofrimento físico não teria a capacidade de proporcionar posterior prazer ao espectador. Também destaca a importância do sofrimento ser engendrado no decorrer do drama a fim de que o espectador perceba a conexão entre o sofrimento e os acontecimentos que o causaram. Freud lança mão da obra sofocliana Filoctetes para aprofundar sua explicação. A tragédia mencionada tem como pano de fundo da história de Filoctetes, guerreiro grego que ao sair em campanha contra os troianos foi picado no pé por uma serpente e, apesar de ter sobrevivido, restou-lhe uma ferida que nunca cicatrizaria, causando-lhe dores terríveis e exalando um odor fétido e insuportável por conta de constantes supurações. Devido a isso, Filoctetes foi abandonado por Odisseu e os demais guerreiros gregos em uma ilha deserta, permanecendo lá por dez anos até o regresso de Odisseu, buscando sua ajuda e de seu arco invencível - forjado por Hefesto - para vencer a guerra de Tróia. Também cita outra tragédia de Sófocles, Ajax, que tem como pano de fundo a história do herói homônimo que lutou na guerra de Troia com destreza. Ajax revolta-se quando os chefes gregos decidem entregar as armas de Áquiles, recém-morto em uma batalha em Tróia, a Odisseu e decide matá-los. Atena priva-o da razão e ele ataca os animais do rebanho conquistado pelos gregos acreditando que eram os seus inimigos. Ao recuperar a lucidez, percebe seu erro e, envergonhado, decide suicidar-se.

Por isso, o indivíduo corporalmente enfermo só pode figurar no palco como um requisito dramático, e não como herói, a menos que determinados aspectos físicos de seu estado possibilitem o trabalho psíquico - por exemplo, o desamparo do doente em Filoctetes ou a desesperança dos enfermos nas peças que giram em tomo dos tísicos.

Mas as pessoas têm conhecimento do sofrimento anímico principalmente em conexão com as circunstâncias que o provocam; por isso o drama precisa de uma ação que engendre o sofrimento, e começa por introduzir-nos nela. Não passam de exceções aparentes as peças que nos apresentam sofrimentos anímicos já estabelecidos, como Ajax ou Filoctetes; é que no drama grego, por ser seu tema muito conhecido, a cortina sobe como que no meio da peça (Freud, 1996uuu, p. 294).

Filoctetes

06/11/2025 00:00