Freud, Sigmund (1996c). A interpretação dos sonhos. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud vol. V. Rio de Janeiro: Imago. (Obra original publicada em 1900).
A citação encontra-se em “A interpretação dos sonhos” (1900) no capítulo VI, intitulado “O trabalho do sonho, seção E - Representação por símbolos nos sonhos - outros sonhos típicos”, subseção XII, “O sonho de um químico”, páginas 431-434. Neste trecho Freud trata da distorção onírica operada nos sonhos, sendo o sonho de ter relações sexuais com a própria mãe mais comum do que se imaginaria e, ainda, sonhos com o ato do nascimento, que não deixa de ter uma conotação sexual com relação à mãe.
Quando insisto junto a um de meus pacientes sobre a freqüência dos sonhos de Édipo, nos quais o sonhador tem relações sexuais com a própria mãe, ele muitas vezes responde: “Não tenho nenhuma lembrança de ter tido um sonho desses”. Logo depois, contudo, surge a lembrança de algum outro sonho inconspícuo e indiferente, que o paciente sonhou repetidas vezes. A análise mostra então que este é, de fato, um sonho com o mesmo conteúdo - mais uma vez, um sonho de Édipo. Posso afirmar com certeza que os sonhos disfarçados de relações sexuais com a própria mãe são muitas vezes mais freqüentes do que os sonhos diretos. [1909.] Em alguns sonhos com paisagens ou outras localidades dá-se ênfase, no próprio sonho, a um sentimento convicto de que já se esteve lá antes. As ocorrências de “déjà vu” nos sonhos têm significado especial. Esses lugares são, invariavelmente, os órgãos genitais da mãe de quem sonha; não existe, de fato, nenhum outro lugar sobre o qual se possa asseverar com tal convicção que já se esteve lá antes. [1909.] Apenas numa ocasião fiquei perplexo com um neurótico obsessivo que me contou um sonho no qual visitava uma casa em que já estivera duas vezes. Mas esse paciente específico já me narrara, há bastante tempo, um episódio ocorrido quando tinha 6 anos. Certa feita, ele estivera partilhando da cama da mãe e fizera uso indevido dessa oportunidade, enfiando o dedo na genitália dela enquanto ela dormia. [1914.] Grande número de sonhos, amiúde acompanhados de angústia e tendo por conteúdo temas como atravessar espaços estreitos ou estar na água, baseiam-se em fantasias da vida intrauterina, da existência no ventre e do ato do nascimento. O que se segue foi o sonho de um rapaz que, em sua imaginação, tirara partido de uma oportunidade intra-uterina para observar os pais copulando. Ele estava num poço profundo, que tinha uma janela como a do Túnel Semmering. A princípio, viu uma paisagem deserta pela janela, mas depois inventou um quadro para se encaixar naquele espaço que surgiu imediatamente e preencheu a lacuna. O quadro representava um campo que estava sendo lavrado a fundo por algum instrumento; e o ar puro, juntamente com a idéia de trabalho árduo que acompanhava a cena e com os torrões de terra preto-azulados, produziam uma impressão encantadora. Aí, ele foi adiante e viu um livro sobre educação aberto diante de si… e ficou surpreso que nele se dispensasse tanta atenção aos sentimentos sexuais (das crianças); e isso o levou a pensar em mim. Eis aqui um interessante sonho com água, produzido por uma paciente, que serviu a uma finalidade especial no tratamento. Em sua estação de veraneio, no Lago de ---, ela mergulhou nas águas escuras, exatamente no ponto em que a pálida lua se espelhava. Sonhos como esse são sonhos de nascimento. Sua interpretação é alcançada invertendo-se o acontecimento relatado no sonho manifesto; assim, em vez de “mergulhar na água”, temos “sair da água”, isto é, nascer. Podemos descobrir o local de onde nasce uma criança trazendo à mente o emprego, em gíria, da palavra “lune” em francês [a saber, “traseiro”]. A lua pálida era, portanto, o branco traseiro que as crianças logo supõem ser o lugar de onde vieram. Qual era o sentido de a paciente desejar ter nascido em sua estação de veraneio? Perguntei-lhe, e ela respondeu sem hesitar: “Não é justamente como se eu houvesse renascido através do tratamento?” Assim, o sonho foi um convite para que eu continuasse a tratá-la na estação de férias - isto é, para que a visitasse ali. Talvez também houvesse nele uma sugestão muito tímida do desejo da própria paciente de vir a ser mãe (Freud, 1900, p. 431-434, grifos do original).
Complexo de Édipo