Freud, Sigmund (1996d). Sobre a psicopatologia da vida cotidiana. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud vol. VI. Rio de Janeiro: Imago. (Obra original publicada em 1910).
A citação encontra-se em “Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana” (1910), no capítulo VIII, intitulado “Equívocos na ação”, página 181. Freud aborda a relação entre atos acidentais e a presença de um fim sexual subjacente. Para tanto, lança mão de diversos exemplos, dentre os quais o de um erro que ele mesmo cometera ao realizar um procedimento médico. Freud narra seu equívoco ao confundir a solução de colírio com a de morfina, pingando, acidentalmente, mofina nos olhos de sua paciente já idosa. O espanto sentido com a percepção do erro o fez se questionar a respeito do que se passara. O médico vienense recorda-se de um sonho narrado por um paciente cujo conteúdo seria de natureza edipiana, como declara na nota adicionada ao trecho, e, logo após, remete-se ao mito de Édipo salientando que o complexo que carrega o nome do protagonista do mito relaciona-se à uma imagem juvenil da própria mãe, e não à sua pessoa atual. Disso podemos depreender que Freud também atribuíra um fundo sexual de seu equívoco em relação à paciente idosa.
Eu estava sob influência de um sonho que me fora contado por um jovem na noite anterior e cujo conteúdo não admita outra interpretação que não fosse a de relações sexuais com a sua própria mãe. O estranho fato de a lenda [de Édipo] não fazer nenhuma objeção à idade da rainha Jocasta pareceu-me adequar-se bem à conclusão de que, no enamoramento pela própria mãe, nunca se trata da pessoa atual dela, mas de sua imagem mnêmica juvenil, formada nos anos da infância. Tais incongruências aparecem sempre que uma fantasia que oscila entre dois períodos se torna consciente e, com isso, liga-se em definitivo a determinada época. Absorto em tais pensamentos, fui ver minha paciente, que tem mais de noventa anos, e devo ter estado a caminho de apreender a aplicação humana universal do mito de Édipo como um correlato do destino que se revela nos oráculos, pois então “atentei contra a velha” ou “cometi um erro em relação à velha” [“vergreifen sich bei der Alten”]. Também esse equívoco na ação foi inofensivo; dos dois erros possíveis, aplicar a solução de morfina no olho ou injetar o colírio, escolhi o que era bem mais inofensivo. Resta ainda a questão de saber se, nos erros capazes de provocar danos graves, é lícito admitirmos a possibilidade de uma intenção inconsciente, tal como fizemos nos casos já discutidos (Freud, 1996d, p. 181)
Nota de rodapé: “Um ‘sonho edipiano’, como costumo chamá-lo, pois contém a chave para se compreender a saga de Édipo Rei. No texto de Sófocles, a referência a tal sonho é colocada nos lábios de Jocasta.” (Freud, 1996d, p.181).
Complexo de Édipo