Complexo de Édipo - 1ª referência

Freud, Sigmund. (1996a). Extrato dos documentos dirigidos a Fliess. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud vol. I. Rio de Janeiro: Imago. (Obra original publicada em 1892-1899).

A citação encontra-se na carta 71, escrita em 15 de outubro de 1897, páginas 321-323. A numeração das cartas de Freud a Fliess foi feita para a Standard Edition das Obras Completas inglesa e mantida pela Imago para a versão brasileira. Não se encontra da mesma forma na publicação da correspondência completa entre Freud e o médico alemão Wilhelm Fliess, na versão brasileira editada por Jeffrey Masson e publicada pela Imago. Esta carta é um importante momento na dita auto-análise de Freud. Neste momento, ele comunica a Fliess ter encontrado o desejo de desposar a mãe e assassinar o pai em si mesmo. Nesta carta está formulado pela primeira vez os elementos que compõem o complexo de Édipo, o desejo incestuoso e parricida. Cabe destacar o recurso de Freud à literatura. O psicanalista não apenas encontra vestígios deste desejo em si e em seus pacientes neuróticos, como reconhece a sua presença nas obras literárias. Na peça Édipo Rei, eles aparecem de modo direto. Já em Hamlet, de William Shakespeare, estes elementos podem ser inferidos pelos efeitos que causam no personagem principal.

[...] Entretanto, não cheguei ainda a nenhum ponto conclusivo. Comunicar o que está inacabado é tão vago e trabalhoso que espero que você me perdoe por isso e se contente com o conhecimento dos aspectos que estão estabelecidos com certeza. Se a análise contiver aquilo que espero dela, eu o escreverei ordenadamente e o apresentarei a você depois. Até agora, não encontrei nada completamente novo, só complicações, às quais, de resto, estou acostumado. Não é nada fácil. Ser completamente honesto consigo mesmo é uma boa norma. Um único pensamento de valor genérico revelou-se a mim. Verifiquei, também no meu caso, a paixão pela mãe e o ciúme do pai, e agora considero isso como um evento universal do início da infância, mesmo que não tão precoce como nas crianças que se tornaram histéricas. (Algo parecido com o que acontece com o romance da filiação na paranóia - heróis, fundadores de religiões.) Sendo assim, podemos entender a força avassaladora de Oedipus Rex, apesar de todas as objeções levantadas pela razão contra a sua pressuposição do destino; e podemos entender por que os “dramas do destino” posteriores estavam fadados a fracassar lamentavelmente. Nossos sentimentos opõem-se a qualquer compulsão arbitrária e individual [do destino], tal como é pressuposto em Die Ahnfrau [de Grillparzer] etc. Mas a lenda grega capta uma compulsão que toda pessoa reconhece porque sente sua presença dentro de si mesma. Cada pessoa da platéia foi, um dia, em germe ou na fantasia, exatamente um Édipo como esse, e cada qual recua, horrorizada, diante da realização de sonho aqui transposta para a realidade, com toda a carga de recalcamento que separa seu estado infantil do seu estado atual. Passou-me pela cabeça uma rápida idéia no sentido de saber se a mesma coisa não estaria também no fundo do Hamlet. Não estou pensando na intenção consciente de Shakespeare, mas acredito, antes, que algum evento real tenha instigado o poeta à sua representação, no sentido de que o inconsciente de Shakespeare compreendeu o inconsciente de seu herói. Como é que o histérico Hamlet consegue justificar suas palavras: “Assim a consciência nos torna a todos covardes”? Como é que ele consegue explicar sua hesitação em vingar o pai assassinado através do seu tio - ele, o homem que, sem nenhum escrúpulo, envia à morte seus cortesãos e efetivamente se precipita ao matar Laertes? De que outro modo poderia ele justificar-se melhor do que mediante o tormento de que padece com a obscura lembrança de que ele próprio planejou perpetuar a mesma ação contra seu pai, por causa da paixão pela mãe - “a se tratar cada homem segundo seu merecimento, quem escapará do açoite?” Sua consciência [moral] é seu sentimento inconsciente de culpa. E não será seu afastamento sexual [em [1]], na conversa com Ofélia, tipicamente histérico? e sua rejeição do instinto que visa a procriar filhos? e, por fim, que dizer de ele ter transferido a ação de seu pai para o de Ofélia? E não faz ele descer sobre si, no final, de modo tão evidente como os meus pacientes histéricos, o castigo, sofrendo o mesmo destino do pai, ao ser envenenado pelo mesmo rival? [nota 1] (Freud, 1996a, p. 321-323).

Nota de rodapé 1, p.323: Esta é a primeira apresentação explícita do Complexo de Édipo, do qual há um leve prenúncio na página 304. A primeira vez que as ideias de Freud sobre o Complexo de Édipo apareceram em sua obra publicada foi em A interpretação dos sonhos (1900a) EBS, V. IV, páginas 287-92, Imago, 197 (Freud, 1996a, p. 323).

Complexo de Édipo