A traição da moleira - 1ª referência

Freud, Sigmund (1996c). A interpretação dos sonhos. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud vol. IV. Rio de Janeiro: Imago. (Obra original publicada em 1900).

A citação encontra-se em “A interpretação dos sonhos” (1900) no capítulo VI, intitulado “O trabalho do sonho”, seção (C) - “Meios de representação nos sonhos”, página 345. Freud se refere ao referido poema de Goethe para explicitar sua associação entre os elementos de um sonho - um ramo de flores - à inocência sexual.

Num dos sonhos registrados logo acima, cuja primeira oração já foi interpretada (“como minha linhagem foi tal e tal”, a sonhadora se viu descendo sobre paliçadas, segurando um ramo florido na mão. Em conexão com essa imagem ela pensou no anjo segurando um buquê de lírios nos quadros da Anunciação - seu próprio nome era Maria - e nas meninas de túnicas brancas andando nas procissões de Corpus Cristi, quando as ruas são decoradas com ramos verdes. Assim, o ramo florido do sonho aludia, sem dúvida alguma, à inocência sexual. Contudo, o ramo estava coberto de flores vermelhas, cada uma delas semelhante a uma camélia. No final de sua caminhada - assim prosseguia o sonho -, os botões em flor já estavam bem murchados. Seguiram-se então algumas alusões inconfundíveis à menstruação. Por conseguinte, o mesmo ramo que era carregado como um lírio e como que por uma menina inocente era, ao mesmo tempo, uma alusão à Dame aux camélias, que, como sabemos, costumava usar uma camélia branca, salvo durante suas regras, quando usava uma vermelha. O mesmo ramo em flor (cf. “des Mädchens Blüten” [“os botões da donzela”] no poema de Goethe “Der Müllerin Verrat”) representava tanto a inocência sexual como seu contrário. E o mesmo sonho que expressava sua alegria por ter conseguido passar pela vida imaculadamente apresentava vislumbres, em certos pontos (por exemplo, no emurchecimento dos botões em flor), da cadeia de idéias contrárias - de ela ter sido culpada de vários pecados contra a pureza sexual (em sua infância, quer dizer). Ao analisar o sonho, foi possível distinguir claramente as duas cadeias de idéias das quais a consoladora parecia ser a mais superficial, e a auto-reprovadora, a mais profunda - cadeias de idéias que eram diametralmente opostas uma à outra, mas cujos elementos semelhantes, embora contrários, foram representados pelos mesmos elementos no sonho manifesto (Freud, 1996c, p. 345, grifo do original).

Goethe, Der Müllerin Verrat, A traição da moleira

10/11/2025 00:00