A Noiva de Corinto - 1ª referência

Freud, Sigmund (1996d). Sobre a psicopatologia da vida cotidiana. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud vol. VI. Rio de Janeiro: Imago. (Obra original publicada em 1901).

A citação encontra-se em “Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana” (1901), no capítulo III, intitulado “O esquecimento de nomes e sequências de palavras”, páginas 33-38. Freud trata do esquecimento de poemas outrora sabidos de cor. Nota que tal esquecimento não se dá uniformemente, considerando válida a submissão do fenômeno à investigação analítica. Para tanto, um colega ofereceu-se como objeto de experiência, escolhendo o poema Die Braut von Korinth [A Noiva de Corinto], de Goethe, para submeter ao teste.

Perguntei-lhe com que poema gostaria de fazer o teste, e ele escolheu Die Braut von Korinth, poema de que gostava muito e do qual acreditava saber pelo menos algumas estrofes de cor. No começo da reprodução ele foi tomado de uma incerteza realmente notável. ‘O texto é Viajando de Corinto para Atenas, perguntou, ‘ou Viajando para Corinto desde Atenas?’ Também eu hesitei por um momento, até observar, rindo, que o título do poema, A Noiva de Corinto, não deixava nenhuma dúvida sobre a direção em que viajava o rapaz.

[...]

Por algum tempo meu colega pareceu buscar o primeiro verso da segunda estrofe; logo continuou, recitando:

Aber wird er auch willkommen scheinen, Jetzt, wo jeder Tag was Neues bringt? Denn er ist noch Heide mit den Seinen Und sie sind Christen und - getauft.¹

[...] uma vez terminado o último verso, ambos concordamos em que alguma distorção havia ocorrido. Mas, como não conseguimos corrigi-la, corremos à biblioteca para consultar os poemas de Goethe e descobrimos, surpresos, que o segundo verso da estrofe tinha um teor completamente diferente [...]. A versão correta dizia:

Aber wird er auch willkommen scheinen Wenn er teuer nicht die Gunst erkauft?²

[...] Ele pôde dar uma explicação, embora, obviamente, com alguma relutância. ‘O verso ‘Jetzt, wo jerder Tag was Neues bringt’ me parece familiar, devo ter usado essas palavras há pouco tempo ao me referir a minha prática profissional, com cuja prosperidade, como o senhor sabe, estou agora muito satisfeito (Freud, 1996d, p. 33-34, grifos do original).

Há, aqui, duas notas de rodapé que esclarecem os versos mencionados:

Nota 1: [Literalmente: ‘Mas será ele de fato bem-vindo, Agora que cada dia traz algo novo? Pois com os seus continua sendo um pagão, e eles são cristãos e batizados.’ [...]

Nota 2: [‘Mas será ele de fato bem-vindo, se não pagar caro por esse favor?’] (Freud, 1996d, p. 34, grifo do original).

Em seguida, Freud continua:

Continuei, porém, com minhas perguntas: ‘De qualquer modo, como foi que você e seus assuntos particulares se mesclaram com o texto da ‘Noiva de Corinto’? [...]

(Keimt ein Glaube neu, Wird oft Lieb’ und Treu Wie ein böses Unkraut ausgerauft.)¹

Errei na suposição, mas foi curioso observar como uma única pergunta bem-dirigida deu-lhe uma súbita perspicácia [...]. Lançou-me um olhar aflito e contrariado, murmurando para si uma passagem posterior do poema

Sieh sie an genau! Morgen ist sie grau.² (Freud, 1996d, p. 35).

Nota 1: [‘Ao brotar uma nova crença, o amor e a fidelidade costumam ser arrancados como uma erva daninha.’].

Nota 2: [‘Olhe bem para ela! Amanhã estará grisalha.’] Aliás, nesse belo trecho do poema, meu colega fez algumas mudanças, alterando um pouco o texto e aquilo a que se refere. A jovem espectral diz a seu noivo:

‘Meine Kette hab’ ich dir gegeben; Deine Locke nehm’ ich mit mir fort Sich sie an genau! Morgen bist du grau, Und nur braun erscheinst du wieder dort.’

[Literalmente: ‘Dei-te meu colar; levo comigo a mecha de teu cabelo. Olha bem para ela! Amanhã estarás grisalho, e só ali teu cabelo ainda parecerá castanho.’ O contexto mostra que, no terceiro verso, ‘sie’ (‘isto’ ou ‘ela’) refere-se à mecha de cabelo. Num contexto diferente, o verso ‘Olhe bem para ela!’ poderia indicar a noiva.] (Freud, 1996d, p. 35).

Por fim, Freud faz menção novamente à referida obra:

Empreendi desde então várias outras análises de casos de esquecimentos ou reprodução errônea de uma sequência de palavras, e o coincidente resultado dessas investigações inclinou-me a supor que o mecanismo de esquecimento acima demonstrado, nos exemplos do ‘aliquis’ [pág. 27] e de ‘A Noiva de Corinto’ [pág. 33], tem validade quase universal (Freud, 1996d, p. 38, grifo do original).

Goethe, Die Braut von Korinth, A Noiva de Corinto

10/11/2025 00:00