Hamlet - 24ª referência

Freud, Sigmund (1996ddd). O Estranho. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud vol. XVII. Rio de Janeiro: Imago. (Obra original publicada em 1919).

A citação encontra-se no artigo “O estranho” (1919), páginas 248-267. Freud se fundamenta nas criações literárias de Shakespeare, que abarca temas sobrenaturais com questões humanas, para tratar da dimensão de criação que o escrito literário possui. Desta forma, não é porque um romance se produz pela atividade criativa de um escritor que seu tema deve ser relegado ao campo da pura fruição estética. Aponta, assim, para a relação entre realidade e fantasia.

É verdade que o escritor cria uma espécie de incerteza em nós, a princípio, não nos deixando saber, sem dúvida propositalmente, se nos está conduzindo pelo mundo real ou por um mundo puramente fantástico, de sua própria criação. Ele tem, de certo, o direito de fazer ambas as coisas; e se escolhe como palco da sua ação um mundo povoado de espíritos, demônios e fantasmas, como Shakespeare em Hamlet, em Macbeth e, em sentindo diferente, em A tempestade e Sonho de uma Noite de Verão, devemo-nos curvar à sua decisão e considerar o cenário como sendo real, pelo tempo em que nos colocamos nas suas mãos (Freud, 1996ddd, p. 248).

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O escritor criativo pode também escolher um cenário que, embora menos imaginário do que os dos contos de fada, ainda assim difere do mundo real por admitir seres espirituais superiores, tais como espíritos demoníacos ou fantasmas dos mortos. Na medida em que permanecem dentro do seu cenário de realidade poética, essas figuras perdem qualquer estranheza que possam possuir. As almas no Inferno de Dante, ou as aparições sobrenaturais no Hamlet, Macbeth ou no Júlio César, de Shakespeare, podem ser bastante obscuras e terríveis, mas não são mais estranhas realmente do que o mundo jovial dos deuses de Homero. Adaptamos nosso julgamento à realidade imaginária que nos é imposta pelos escritos, e consideramos as almas, os espíritos e os fantasmas como se a existência deles tivesse a mesma validade que a nossa própria existência tem na realidade material. Também nesse caso evitamos qualquer vestígio do estranho (Freud, 1996ddd, p. 267).

Shakespeare, Hamlet

08/11/2025 00:00